30.1.09

Tema e variações 1


(de Paulo Leminski)

Soprando este bambu
Só tiro
O que lhe deu
O vento

----------------------

(para Paulo Leminski)

A flauta
Dá ao bambu
O que lhe é seu de direito
O vento

29.1.09

Lignina


(para Sérgio Kodaira)

Uma amizade antiga
Preciosa
E por anos interrompida

Hoje vejo aliviado
Que meu temor antigo
Temor de amigo
Foi de todo injustificado

O tempo e os ventos
Não foram capazes
De dobrar-lhe a espinha
Ou de esfriar-lhe
A lava que emerge
De seu olhar incandescente

Vindo do outro hemisfério
Manteve-se coerente
E intacto o mistério

Mais tons de cinza
Continuaram sendo descobertos

A grande árvore
Contempla feliz
A pequena planície

28.1.09

Ressentiment


A minha torneira
Pinga
Por mais que a tente fechar
Pinga
Insiste em me fazer lembrar e
Pinga
Quanta água gastará ao longo de uma vida

27.1.09

Invasões bárbaras


Irismel
De desde sempre
Puntinegra pupila

Olha eu lá
Desenhado
Na tua retina

Penetrei em ti
Nem percebeste
Que delícia!

26.1.09

When Diamonds are a Legend


(para Emily Dickinson)

Uma pedra
Um lago
Um alvo

23.1.09

Haiku inspiration 6


(para Neide - as cobaias agradecem!)

Da semente ao pão
Sol riso satisfeito
Se vinga a vida

22.1.09

Sequelas


O tempo
Faz soltar
Um a um
Os tacos
Do nosso piso
Mesmo que lustrado

Ao fixá-los
Nunca mais
Se assentarão
Como no passado

21.1.09

Nessa merça tem de tudo


(para Bebel, Edinho e Índigo)

O parnaso paulista
Mercearia São Pedro
De Piratininga
Na terça à noite lota

É caótica e ruidosa
Apertada
E com secos e molhados rejuntada

Ontem entre romances
Lendas e poemas viu-se cinema
E dos bons

Tomando cerveja (a de lá é breja)
Filé no palito e a cebola na mão
O curta feito em segredo
Casou perfeito
Com a trilha Lulina e a cachaça de Minas

Enquanto isso a anfitriã genitora
Babava bebelismos
Prato cheio para a escritora

Mais um pastel por favor
Seu garçon (mal-humorado)

Saímos de lá orgulhosos e renovados
Que outros segredos terão eles guardados?

20.1.09

Pseudoamarguras leminskianas de um blogueiro a(r)mador


(para Rui Gassen – para que tenha paz no seu coração)

Quando escrevo
Um samurai malandro
Baixa em mim

O mulato polaco
Já sepultado
Longe de sossegar deitado
Assume o barco

Este Pelintra
Gentil e dissimulado
Safado egoísta
Me põe a remendar buracos

Fazer o quê

O pior
É que no final dessa zona
O paspalho aqui acha graça
Saca da carteira e paga a conta
Tudo para não ter o nome sujo na praça

19.1.09

Refrações



(para Bené Fonteles)

Basho
Via lágrima
No olho do peixe

Mas nem todos os seres são
Assim
Iluminados

Eu
Ao vê-lo sobre o prato
Ouvindo o ronco da barriga

Reflito
E o enxergo apenas comida
Prestes a ser devorada

17.1.09

Crostas de um arroz antigo


(mais uma homenagem para José Paulo Paes)

Somos bichos estranhos
Razão tinha o poeta perneta
Ao cantar
“Mas o que sabe
um homem de outro homem?”

De fato pouco
E nem sequer questão de sabê-lo mais fazemos
Até mesmo o essencial saber recíproco
Entre pai e filho é restrito

Isto reconhecer
Dói ainda mais
Quando vem no exato momento
Em que se sente na mão que segura a alça do caixão
O peso do corpo que ajuda até a cova baixar

Assim
Sem querer ou por não ter alternativa
Me encontro no pensamento
Legado por este sábio da vida vivida
Que sobre tudo que possa ser sentido
Escreveu

16.1.09

A sabedoria do instinto


Os cães
Quando adoecem
Recolhem-se em um canto
Embaixo da escada
E ali permanecem

Quietos

Com o olhar triste
Mas atento
A cabeça sobre as patas
Não se ouve seu lamento

Nem água querem
Apenas esperam
Até que melhorem

Ontem sentí-me assim
E tornei-me canino
Não deu outra
Acordei renovado

Esses nossos parceiros
Também assim se comportam
Quando estão para morrer

Retiram-se do convívio
Escolhem um local tranquilo
E lá aguardam
Até que a morte os venha buscar

Terei também este privilégio
Quando minha hora chegar?

15.1.09

Haiku inspiration 5


(para Matsuo Basho)

Termina a tarde
O Canário se arrisca
Ploc vidro plac chão

14.1.09

Evidência do amor inteiro


O coração alivia
Quando pela manhã
Logo depois de mim
Ela se senta e exclama
Nossa, que quentinho!

13.1.09

Epitáfio para Bob Marley


Aqui jaz meu cão
Por toda a eternidade
Gozará do conforto que não teve em vida

Dorme o sono dos que sofreram
E não se permitiram enlouquecer
Para manter-se sempre
Humilde e fiel

Talvez um dia me perdoe
E assim eu também consiga
Repousar em paz

12.1.09

Abaixo as panelas de alumínio


(mais um pequeno tributo ao gigante Leminski)

Ouvi da boca do mais esquecido dos homens
“O mundo ama seus poetas”

A isto complementei em minha cabeça
Pena que seja um amor tão poucas vezes lembrado

Talvez não tenha anotado tal frase
E é provável que na época
Alzheimer ainda não fosse um mal epidêmico

11.1.09

Haiku inspiration 4


(para Oswald de Andrade)

Espelionoite
Morcegos no repouso
Com Newton sonham

10.1.09

À minha amada imortal


(para Neide)

25 anos dividindo o mesmo teto
Misturando nossas vidas e histórias
Com o mais inominável dos prazeres
Foi rápido demais!

Lightning rod


(para Biba Rigo)

Seu estúdio é como sua cabeça
Um caos criativo
Onde planos são apaziguados

Ambiente randômico
De atmosfera entrópica
Habitado por seres estranhos
Que escondidos atrás de relevos e cantos
Pedem para ser desenhados

Quando toca a tela
A artista é invadida por esta legião oportunista
Que aí passa a ter forma e contorno

Ativados a ponte e o terra
Insuspeitadamente
Vêm à luz

9.1.09

Ofícios e competências


(para Rui Gassen)

Há eras
Com a paciência de um cupim
O artesão medieval
Descarrega na argila
Fúria e bondade

Poeta do barro
Com sua mente alquímica e mãos hábeis
Remodela a crosta do planeta
Eternizando criaturas em cores e densidades

Para todos os filhos ao fogo pede a vida
Que só aos escolhidos é concedida
Para que despertem de seu sono telúrico
E se transformem em companheiros fiéis

8.1.09

Elegia hirsuta


Por oito anos presente
Profética e soberana
Outros vinte latente
Aprisionada na carne
E dominada pela lâmina

Até que um dia indultada
Deixou sua cela e voltou à luz

Caminhou a esmo sentindo-se perdida
Com as pernas já fracas

Poucos a viram
E sustentam o mito de seu porte vigoroso e selvagem

Mas não esconde a brancura
Estigma do longo período de mordaça
Protesto silencioso
Das experiências não compartilhadas

Sequer hesitou em recolher-se novamente
Não é este o seu tempo
Nem mais ao mundo pertence

7.1.09

Nem tudo está perdido


(para Jotagê Alves e Magali Geara)

Parceria rara e fina sintonia
Arranjo suave e delicada harmonia
Vivem a música como quem respira

Privilegiado sou por sabê-los
E compartilhar da mesma órbita

6.1.09

Assim como Prometeu



(para Paulo Leminski)

Vendi meu fogão ao poeta
Levou-o sem regatear
Versos à respeito nunca li
Talvez quisesse apenas cozinhar

Tal fato para sempre nos ligou
Mesmo que disso não me apercebesse

Haverá clamor mais sincero
Que o motivado pelo estômago?

5.1.09

Agnus Dei qui tolis peccata mundi



Bandeirolas sagradas
Tremulam ao vento
Carregando as nossas preces
Estão impregnadas com os mais profundos saberes
Miserere nobis

4.1.09

Amálgama


Quebramos taças e copos
E juntos lamentamos pelo efêmero
Precisamos da matéria amorfa
Dos conjuntos incompletos e suas histórias
Cimento em nossas vidas

3.1.09

Bem aventurados os que tem fome


No dia em que ninguém mais cozinhar para mim
Entro em jejum
E viro Santo

2.1.09

Haiku inspiration 3


(para José Paulo Paes)

Noturno xixi
Pantufas animadas
Splesh lagartixa