29.9.10

Hemisférica distância


Enquanto em ti
A primavera principia
Em mim
O outono já declina

28.9.10

Quero esquecer


Que chova granizo
Que as pedras perfurem os telhados de vidro
Que destruam meus inúteis abrigos
Que me acertem na cabeça
Que me façam sangrar o que for preciso
Que não mais consiga distinguir as vozes
Que caia inconsciente e seja exorcizado
Que tudo termine num grande estrondo percussivo

27.9.10

Encontro a palavra


O verso
O sentido

No poema escrito
Na inspiração do poeta morto

No sentimento vivido
E nos séculos perdido

Enquanto isso, no reino dos triângulos...


- Não sejas tão previsível e quadrado, diz o Equilátero
- Pior és tu, monótono e enfadonho, rebate o Retângulo

Se tens os ouvidos


Transbordando
Com teus próprios ditos
É hora de partir
Nada mais tenho a fazer aqui

17.9.10

A verdade é dura


Mas tem que ser dita
Este ovo não está bom

Falta sal
E ficou muito mole na parte de cima

16.9.10

Numa ilha deserta

Apenas o oceano para contemplar

Construo uma pequena balsa
E me arrisco no mar

Maré alta
Maré baixa

Não quiseste vir

Onda vai
Onda vem

Achaste mais seguro ficar

Desaparece a ilha
Desaparece você

Fiquei eu para contar

Meu caro amigo

Vim aqui para lhe prestar este favor
Mas prometo que o farei com todo o cuidado
Tenho cá este machado
Que usarei para cortar-lhe a cabeça
Bem na altura do pescoço sobre a linha tracejada
E a entregarei ao seu amor
Delicadamente num cesto acomodada

Direi a ela que por fim enxugue as lágrimas
E que a use como troféu
Pois só assim para sempre poderá lhe ser fiel
E para finalizar o trabalho
Como medida de segurança
Seu corpo enterrarei num terreno abandonado
Deixando que as larvas dos restos lentamente deem cabo

15.9.10

Manhã de muitos brilhos

Incontáveis cristais coloridos
Folhas salpicadas de pequenos sóis em frêmito contínuo
Palhetas com os ventos afinadas
Deixando escapar seus gemidos

Equilíbrio frágil
Vapores
Chuviscos

O orvalho desconhece o seu destino
Nunca chegará ao vale
Surge e desaparece no penhasco
Que para ele é infinito

14.9.10

Outro mês sem poder tocar em você

Não sinto mais a sua textura em meus dedos
Relevos que hoje tenho apenas em pensamento

Seu perfume não resistiu ao tempo
E por mais que o procure em meus lençóis

Não o encontro isto é um fato
Dele quase nem me lembro

Chovem palavras sobre o mundo

Visto capa e galocha
Apanho pá e sacola
E saio em empreitada

Mas há muitos defeitos na malha
E por mais que as colete
Frases inteiras se esvaem
Escapam por incontáveis furos

E sem ter o que levar para casa
Resignado
Me mantenho mudo

8.9.10

Dizem que deste mundo ele está se despedindo

Que na fantasia
Encontra-se cada vez mais envolvido
Arrebatamento voluntário
Em definitivo

Esforça-se em tentar compartilhar
Seu estado de alma com palavras
Mas não vê nelas sentido
Perde-se no tempo e espaço como que abduzido

Diz que sua poesia é como uma cascata
Cuja água vem de um ponto longínquo
Banha-lhe o corpo da cabeça aos pés
E segue em fluxo contínuo

2.9.10

Nenhum amor precisa

Olhar para o que já passou
Isto de nada mais vale
É tela de cinema
Projeção efêmera
O presente é que importa
E o futuro
Especulação

Assuntos mundanos

Nunca tratados
Indevassáveis tabus
São por demais humanos
Melhor sepultá-los
Vida real?
Mundo animal?
O que dizer?
O fato é que eles nos querem aqui
Entre parênteses
Sabe-se lá até quando
Nunca saberei o porquê

1.9.10

Um imenso vazio

É o saldo de uma relação
Que se estrutura
Em personagens tão bem desenhadas
Como aquela que só cede
E a que está sempre com a razão

Nunca minto

Pois quando o faço
Minha voz treme
Sempre me denuncio

Se a verdade

É por demais presente
Faz-me preferir o silêncio
E me condena ao recolhimento

Ao falar só o que julgo verdadeiro
Expresso apenas o que vejo (quase sempre)
Envolto num manto de ignorância e preconceito

Não há como ter todo o conhecimento
Preciso ser humilde para dizer
Isto eu não sei disto eu não entendo