31.3.11

Tanka inspiration 1


O outono caminha
Me põe mangas na camisa
E oferece os frutos
Que vestirão os estômagos
De pássaros pubescentes

29.3.11

A cada dia


A morte é mais presente
Mais noticiada

Os pais dos amigos
Quase todos falecidos

Nossos tios e primos
Alguns já se foram há muito

Até os amigos
Pouco a pouco deste mundo vão desistindo

Os ídolos que na infância tando nos inspiraram
Vão um a um desaparecendo

De todos ficam os legados
Na proporção da importância que tiveram em nossas vidas

É um pouco estranho
Estar cada vez mais só

Recorrer às lembranças
E não ter mais a possibilidade do toque

A certeza da imortalidade
Sofre baixas diárias (efeito da idade)

A morte deixa de ser problema dos outros
E nossa área invade

Quando menino


Lia enciclopédias
Com a firme convicção
De ter todo o conhecimento do mundo
Bem ao alcance das mãos

Quando


O fim do mundo for uma inevitável realidade
E as viagens interplanetárias já puderem se tornar rotina
Poderemos sucumbir em solo terráqueo
Prisioneiros numa masmorra esquecida

O lixo espacial que nos circunda
Agindo como pesada artilharia
Montará guarda contínua
Impedindo nossa saída

25.3.11

Não sigo para o mar


Sempre fui diferente
Entre outras façanhas
Para o interior levei muita gente

(Os antigos habitantes do lugar diziam que o rio é o pai de tudo)

Aqui perdi a paternidade
Retificaram meu trajeto
Roubaram minha várzea
Envenenaram meu corpo
Engessaram minhas margens
Devassaram-me a intimidade

(Diziam também que meu nome significa: o que serve para tudo)

Não sirvo mais para muito
Como no passado
E numa calha pútrida
Fui transformado

Em mim não se pesca
Não se nada
Quase não se navega
E ainda reclamam
Quando não suporto o inchaço
E sangro
Em pontos isolados

Vivo em minhas memórias
Tietê de outrora
Fotos amareladas
Retratos de antigas glórias

21.3.11

Na arte do Egito antigo


As manifestações de carinho
(Quando vistas)
Da mulher partiam

A mão suavemente pousada
No corpo do amado

O olhar altivo
De como quem guarda um tesouro

A atitude sóbria e tranquila
Como que impedindo a ação impensada do outro

Chave e fechadura


Não há
Segredos
Entre nós

16.3.11

Sem mim


Vais

Sem ti
Tenho que ir

4.3.11

Não há vida após a morte


A morte pode não ser o fim

Só há vida na vida
Só há vida aonde se está

O que importa é o que fica

1.3.11

O primeiro som humano emitido


Não foi de prazer
Mas um grito de dor
Encantou-se com a novidade
E brincou

Experimentou
Testou
Ordenou
E o canto criou

Depois tornou-o útil
Atribuiu-lhe sentido
Criou o verbo
E falou

Por fim
Juntou-se aos seus iguais
Pôs peso nas palavras
E tudo regrou

Inventou os escritos
Silenciou o que até então tinha dito
Emitiu um último uivo
E para sempre se calou