24.4.13

Era uma vez



Numa terra não muito distante
Num tempo em que as fantasias
Andavam um tanto quanto desacreditadas
E o amor longe dali vivia

Existia um reino mágico
E nele um castelo encantado
Onde morava uma dama
Dona e soberana de tudo que a vista alcançava

Tinha também os poderes do encantamento
Capazes de manter sua salvaguarda
Garantir-lhe sossego
E de fazer vir para si tudo que precisava

Escolhia a dedo
A comida adequada
A melhor bebida
E nos momentos de solidão e melancolia
O mais galante cavalheiro que por lá existia

Até que um dia
Passava por aquela freguesia
Um andarilho errante
Maltrapilho e falante
Menestrel das belas palavras
Faminto e de peito arfante

Subitamente viu-se arrebatado
Por um irresistível perfume
Fragrância tão suprema
Que de um esplêndido jardim emanava
Acompanhado de um inebriante canto
Carregado pelo vento
Que do alto de uma torre se espalhava

Sem conseguir oferecer resistência
Mudou o curso de sua passada
E dirigiu-se à fortaleza

Cruzou o escuro fosso
E por traz do atônito estrangeiro
Elevou-se uma enorme ponte
Aprisionando-o no monumento

Atravessou um imenso átrio
Decorado com um sem número de retratos
Semblantes que expressavam os mais diversos humores
Orgulhosos indiferentes tristes irados amedrontados
Mas nenhum trazendo no rosto a felicidade (isto era um fato)
Príncipes e reis
Antigos senhores daquele palácio

Veio recebê-lo a rainha
Em trajes sumários
Transparências de quase expor suas reais intimidades
Silhueta magnificamente torneada
E pele muito branca de delicadeza sobre humana

Ao deparar-se com o intruso aventureiro
Recuou assustada
Imaginando que pela primeira vez tivesse errado
Na escolha de um parceiro para a sua cama

Mas antes que conseguisse acionar a guarda
E por para fora a pontapés o infecto forasteiro
Eis que ele saca de sua guitarra
E ferindo suavemente o instrumento
Extrai dele um som melodioso
Um doloroso lamento
Seguido de uma canção de amor intenso
Que capturou de imediato a monarca por dentro

A feiticeira experimentando da própria poção
Encantou-se ao ponto
De sem mais delongas
Em alto e bom som
Ordenar que se iniciasse a recepção
E lhes fosse servida
A já cuidadosamente preparada refeição
 
Partilharam do vinho real
De doces salgados e frutos sem igual
Licores
E já excedendo-se em picantes devaneios
Adentram aos nobres aposentos
Rindo muito
E carregando-a nos braços o hercúleo mancebo

No adornado leito
Rapidamente desfizeram-se das vestes
De riquezas tão distintas
E mergulharam numa noite de amor extremo
E comunhão muito precisas

Beijos ardentes
Bocas reciprocamente ativas
Privacidades com invasão permitida
Nobre e plebeu nivelados pela carne
Junção de espécies
Num improvável enlace

Ao final da noite
Saciada mas intranquila
Temendo aprisionar-se em definitivo
Pede que se retire o artista
Dando-lhe o tempo de um minuto
E exigindo (sem olhar para trás)
Que com sua vida prossiga

Ele a obedece sem colocar empecilho
Considerando ter sido premiado
Por poder desfrutar de tão mágico destino

Deixa o reino feliz e satisfeito
Lépido e faceiro
Banho tomado
Bom cheiro
Um casaco novo de reforçada trama
Algum ouro no bolso
Barriga cheia
E muitos salamaleicos

E para eternizar o evento
E nunca esquecer a magnífica experiência
Compôs esta cantiga
E por todas as terras que depois passou
Lhes deu ciência

Esta história contou-me um ancião
Na mesa de um bar
Numa viagem que fiz ao Japão

Mas disso nem mais tenho certeza
Se foi fato ou criação
Pois já tinha as ideias um pouco embaralhadas
Depois da vigésima cerveja

2 comentários:

Neide Rigo disse...

Imaginação fértil. Genial!

Juliana Valentini disse...

Uau! Eu nem podia imaginar que doutor Marcos escrevia um blog.
E que linda história!
Parabéns pela criatividade e pelo talento na lida com as palavras.
Virei leitora.
Um beijo,
Juliana.