5.4.13

Quando criança



Havia momentos em que procurava estar só
Desejava voar e como as aves sobre todas as coisas flutuar
Mas por mais que me sentisse apto e pensamentos concentrasse
Asas nas costas nunca me cresceram
E saltar da varanda nunca tive coragem

Realizava este sonho indo o mais alto que podia
Subindo no telhado de casa
E na cumeeira por horas me sentava

Gostava de observar o redondo do horizonte
A pedreira de um lado
Os parreirais listrando os morros até virarem um tapete lisinho
As formas e os caminhos das nuvens
O movimento das ruas
A vida que transcorria nas outras moradas
As figuras diminutas que diminuiam ainda mais conforme iam
E as que se agrandavam tomando feições quase sempre conhecidas quando vinham
Os bambus elevando os varais e lençóis embandeirando os quintais
A nudez recatada na janela ao lado que me punha paralisado

Fechava os olhos e tentava adivinhar os sons e aromas trazidos pelo vento
O caminhão de gás com o cão latindo atrás
O amolador de facas tocando gaita
O vendedor de beiju e sua matraca
O estalar da roupa no tanque
O choro da moça na janela
O ensaio da banda no porão da igreja
O burburinho da feira
O marceneiro recortando a tábua
O entregador de frutas empilhando caixas
O borracheiro acionando o macaco
O ferreiro malhando na bigorna
O estábulo não muito distante
O capim cortado
O bife do almoço sempre acebolado
O amendoim torrado
O pão quente saindo do forno e em seguida o bolo

Ah, era bom voar...

Vez ou outra via o gato do português do mercado
Que em seu caminho de hábito
Ao notar o estranho reagia com espanto
Como que me recriminando e dizendo:
Como te atreves a invadir meus domínios sem que eu o tenha permitido?
Recolha-se à tua humana insignificância, oh menino!

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