16.5.13

A segunda parte da saga



Contou-me um estranho beduíno
De olhos azuis e pele muito clara
Respeitado por aqueles que o seguiam
Que atendia pelo nome de Lawrence
Nos confins da desértica Arábia

Sentamo-nos em volta de uma fogueira
Sob uma tamareira com frutos carregada
Num oásis paradisíaco
E um horizonte com nitidez contornado
Na claridade de uma noite enluarada

Dizia-se que a Magnânima
Ao saber que teve o nome
Pelos quatro continentes espalhado
E que em muitas cortes
Em piada tendo se tornado
Sentindo-se com a honra maculada
Manda chamar seus melhores escudeiros
E determina que se espalhem por todos os reinos
Em busca do leviano milongueiro

Ordena que o tragam com vida e inteiro
Para que pague com o merecido sofrimento
Por todo o mal que causou
A quem o tratou com tanto apreço

Que por onde passassem oferecessem a qualquer cidadão
Uma boa quantia pela informação de seu paradeiro
E para quem o trouxesse preso
O mesmo peso do ingrato em joias do reinado
Além de terras e um título de nobreza à altura do realizado

Não demorou muito
Até que foi encontrado
No meio de uma festa rural
Nos rincões da Virgínia
Tocando banjo
Por uns poucos centavos e bebida

Foi amarrado e amordaçado
No porão de um navio confinado
E cruzando o oceano
Iniciou o retorno ao lugar
Onde seria com justiça julgado

Mas ao passar pelas Bermudas
Foram surpreendidos por uma tormenta absurda
Que engoliu a embarcação
Levando consigo toda a tripulação

Na confusão naufrágio
Conseguiu se desvencilhar das amarras
Utilizando-se de técnicas de ilusionismo
Oportunamente por um cigano ensinadas
Escapou por uma escotilha
E laçou com as cordas que ainda tinha
O corpo de um golfinho que por ali vivia

Até uma baia distante foi rebocado
E muito ferido
Alcança a praia a nado
Quase inconsciente e exausto
Desaba num sono profundo
Sono dos que sobrevivem a tudo

Amanhece o dia
Ainda confuso e sem nada entender
Abre os olhos e é ofuscado pela luz de um jovem rosto de índia
Que lhe dirige um sorriso largo
E palavras doces impossíveis de serem compreendidas
Mesmo sem saber se era sonho ou realidade
A visão de tão formosa rapariga
Foi trazendo calma ao viajante
Que chegou a se questionar se já não estaria num plano distante

A moça tinha olhos amendoados e escuros
Um olhar profundo e gentil
Pele jambo e macia
Pescoço altivo e esguio
Cabelos muito pretos lisos sobre o colo caídos
Peitos desnudos fartos apontando para o infinito
Quadril e coxas perfeitos em nobre cedro esculpidos
A mais linda visão que que alguém poderia ter em vida

Era habitante de uma aldeia naquela ilha perdida
Que compadecida com a situação
E encantada com beleza excêntrica do alvo rapagão
Ajuda-o a alcançar a sua cabana
E coloca-o para descansar em uma esteira de cana

Cuida com milenar sabedoria de suas feridas e esgotamento
Utiliza-se de chás caldos purgativos vomitórios e unguentos
E o faz sem interrupção
Até o franco restabelecimento do varão

Semanas se passaram
Até que fortalecido e consciente
Passou a circular pela aldeia
Para entender língua costumes
E conhecer toda a gente

Com tudo se encantou
Todos se encantaram com o estrangeiro
E mais do que todos
Aquela que da praia de uma tragédia o resgatou inteiro
Identificou que também havia em sua virilha
Uma marca com a exata forma da ilha
Idêntica àquela que trazia desde nascida
Na mesma topografia

A maviosa criatura
Filha do chefe aldeão
Entendeu que era aquele o amado a ela prometido
Há tantos anos esperado
Com vinda prevista em profecia
Um enredo há séculos em versos cantado

Agora que o oceano o tinha trazido
E confirmado pelo conselho de sábios
Fechava-se o ciclo
Estava selado o seu destino
Casariam-se de imediato

Realizou-se a cerimonia
Com toda a pompa que a ocasião exigia
E por sete dias e sete noites
Comemoraram-se as bodas com extrema alegria

Grande foi o orgulho da família
E não demorou até que este feliz matrimônio
Fosse presenteado com a geração de um pimpolho
Menino predestinado
Que deste pequeno seria educado como futuro líder de seu povo

Até que num belo dia
Após seis anos de aparente calmaria
Pescando junto a um rochedo
Pai e filho são surpreendidos por um imenso cetáceo
Que emerge em sua frente e o engole rapidamente
Consegue ainda ordenar ao garoto que se proteja e retorne à aldeia
O gigantesco animal era na verdade um submarino disfarçado
E apesar de debater-se ferozmente
Acabou em definitivo
Sendo contido e sedado

Desperta confuso e assustado
Sem saber por quanto tempo ficou desacordado

Está no centro de um grande anfiteatro
Com gente para todo o lado
A Soberana num trono à direita
Juízes ao centro perfilados
E à esquerda uma vintena de caras amarradas
Aparentemente jurados

O ritual transcorreu rápido e sem embaraços
É condenado à morte por decaptação
Pelas acusações de calúnia e difamação

Mas segundo as normas daquela casa
Todo aquele que será executado
Tem o direito a um último desejo realizado

Pede então que lhe tragam um instrumento
Para que sua última canção a todos pudesse dar conhecimento

Um alaúde foi providenciado
E pouco antes de iniciar a audição
Lembrou-se sua Majestade de como fraquejou
No exato momento em que se iniciou a anterior execução
Mas antes que pudesse evitar que o tocasse
Arpejos já flutuavam no ar
E novamente enfeitiçada rendeu-se à situação

Fora de sua habitual seriedade
Manda que se retirem todos do tribunal
E ordena que acompanhem o forasteiro
Até a ala do palácio
Onde são acomodados os chefes de estado
Que o tratem com honras de cavalheiro
E o conduzam com digna aparência
Até os reais aposentos

O receoso andarilho
À principio recusou-se a entrar na majestosa câmara
Mas avaliando os riscos que corria
E não conseguindo mais tirar os olhos de tão maravilhosa Dama
Pois a Rainha apesar do tempo
Conservava intacta sua descomunal beleza
Resolve entregar-se inteiro aos desejos
Que no passado tantos prazeres lhe renderam
E mais uma vez carregou-a nos braços e pousou-a suavemente no leito

E assim ficaram por um longo tempo trancados
Até que saciada e com o feitiço já amainado
Atende aos anseios de seu coração
E pede humildemente ao forasteiro que fique de vez
Que aceite aquela condição
Dando-lhe o direito de ter tudo o que deseje

Adianta-se oferecendo-lhe um ducado
Terras a perder de vista
Mil vassalos
E canastras com ouro preenchidas

Mas o moço
Lembrando-se de seus amores de antes
Recusa a honraria
Conta-lhe sua história
Agora parecendo tão distante
E pede que seja mais uma vez libertado
Clamando à Anfitriã grandeza e misericórdia

A nobre Senhora compadecendo-se deste amor tão verdadeiro
E não querendo quebrar sua real palavra
Manda que lhe tragam montaria
Boa cela arreios
Provisões para a longa jornada
E uma escolta armada que lhe garantisse segurança
Até os limites do reino

Sai do castelo com o peito aliviado
Sentindo-se agora livre como um escravo alforriado
Deixa aquelas terras disposto a reencontrar seus amores
E retomar sua vida
Como a tinha deixado antes do desterro forçado

Muitos percalços e dificuldades retardaram sua volta
Mas quando finalmente pensou ter chegado
Mesmo devidamente orientado
Não acha nem um grão de areia no ponto onde seu coração tinha deixado
Nada via que lembrasse a ilha que lhe foi tão cara um dia
Descobre ao abordar um barco pesqueiro que ali passava
Que um terremoto varreu do mapa toda a terra que outrora ali se encontrava
E que dos simpáticos habitantes do lugar
Nunca mais se tinha ouvido falar

Arrasado com o acontecido
Perdido e sem lastro
Vê-se forçado a retomar seu antigo destino
Voltando a errar pelo mundo
Como um menestrel
Reles mendigo

E para jamais esquecer sua dor
E manter vivos os detalhes dos fatos
Compôs esta canção
Na forma de um lamentoso fado

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