31.7.13

Anel de lata



Vidro nos brincos
Cobre na tiara

Ares de nobreza
Plebeia disfarçada

Mesmo assim
O súdito se encanta

Ainda assim
O sentimento enlaça

Pois enquanto houver amor
Tudo que se pode fazer

É amar
Mais nada

30.7.13

Retorno do coma



Para trás ficou
A mais profunda ausência

Nada reconheço
Ainda ocupo algum tempo?

Onde estão meus pés?
Despareceram os cheiros

No entorno nada vejo
Não há dor

Nem frio
Nem calor

Apenas percebo
Este absurdo silêncio

29.7.13

Sejamos sensatos



Sejamos maduros
O pouco
Agora
De nada nos serve
Precisamos do tudo

Esperemos que o tempo
A lembrança
Do tanto que tivemos
Conserve
Apesar do mundo

26.7.13

Quando a luz declina



A ave volta para o ninho
Alimenta a cria
Recebe um pouco de carinho
Trata das feridas
Fortalece o corpo cansado
E se prepara para um novo dia

25.7.13

Que amor é esse?



Retrato que penduro no pescoço
Desbotado denuncia a idade
E me remete a um tempo
Em que tudo era mais simples
A própria leveza da mocidade

Que amor é esse?
Que prendo em meu chaveiro
Carrego sempre comigo
Tentando abrir as portas
Que surgem pelo caminho

Que amor é esse?
Que permite minha entrada
Num ambiente tão protegido
Mas ao mesmo tempo impede
Que eu me aprofunde neste labirinto

Que amor é esse?
Que deixa crescer o mato apagando caminhos
Escondendo céu e horizonte
Me abandona na floresta sozinho
E apenas com o instinto quer que eu conte

Que amor é esse?
Que nunca se desfaz do lixo
Entulha os espaços
Ocupando os ambientes mais íntimos
E sufocado pelo fedor e podridão
Serve apenas de refeição para ratos famintos

24.7.13

Poesia não é literatura



É outra coisa
Aproxima-se mais da pintura

Precisa estar isolada numa página
Como um quadro na parede
E uma luz nela focada

Para que quem a observe
Na primeira impressão
Possa ser surpreendido
Seja com espanto
Estranhamento
Ou admiração

E num segundo olhar
Mais atento
Nas sutilezas das pinceladas
Detalhes possam aflorar

Que a releitura
Clareie a forma
A sonoridade
O modo de construção

Que o explícito
Monolítico
Imediato
Se dilua
Torne-se permeável

E se houver
Um outro conteúdo
Por trás do traço
Que seja possível o acesso
À surpresa
Ao deleite
E a reflexão

23.7.13

Não se ri do sofrimento alheio


A crueldade para com o outro
No seu caso
É fuga de si mesmo

Encare seus próprios demônios
E deixe que com os meus
Eu me entendo

22.7.13

Só conhecia o som que um corpo faz




Quando ele cai da cama
E subitamente encontra o chão

Hoje pude constatar
Que se a queda é de um edifício
É bem diferente
Há uma explosão

Agora só preciso saber
Em que momento ela ocorre
Se é ao contato com o solo
Ou não

19.7.13

Um último abraço



Bem apertado
Depois de um milhão
Antes do próximo
Mesmo sem saber quando
Para que eu possa partir
Lembrando
Ainda me sentindo amado
Um pouco menos solitário

18.7.13

Não me importa mais



Se viverei todo o tempo que desejei

Não quero saber
O quanto ainda me resta

Necessito ser feliz agora
E aproveitar melhor a festa

17.7.13

O sangue pode não escorrer para fora



A dor nem sempre acompanha
A extensão do corte

Nesta minha ferida
O que de fato importa

É a profundidade
Em que a lâmina corta

16.7.13

Não me ame menos



Do que eu possa querer

Me ame mais
Do que eu possa merecer

Me ame assim
Desde que seja bem feito

Apenas me ame
Deste seu jeito

Mesmo que digam
Que é um contra-senso

15.7.13

O homem de Éfeso me disse um dia


(para Heráclito)

Não procure no hoje
O que fui ontem
Este rio não parou de correr
Não há como a água da noite
Ser a mesma ao amanhecer

12.7.13

Ligo o carro



Olho no espelho
Asfalto molhado

Saio da cena
Rápido

Se de um lado
Parto ferido

Para o outro
Retorno intacto

11.7.13

A música



Ocupa o espaço
Veste a pessoa
Serve de agasalho

Agradeço à tecnologia
Por me trazer companhia
Nos momentos
Em que a solidão dói
E a saudade acaricia

10.7.13

Existe aqui dentro um departamento



Pequeno compartimento
Criado no dia em que nos conhecemos

Discreto continente
Que abriga um conteúdo imenso

Reduto sereno
Lugar que ninguém mais poderá ocupar
Mesmo se um dia você vier a faltar

4.7.13

Voltou-me a felicidade



Esta dama confusa
Que vez ou outra abandona o lar
Por precisar responder
Suas próprias perguntas

Acaba sempre por retornar
Já que é preciso estar
Na outra margem do rio
Para poder reconhecer
Que não existe melhor lugar
Do que aquele que é o seu

3.7.13

E enfim refez-se o muro



Tão alto
Que não se consegue ver o que ocorre do outro lado
Tão robusto
Que não há mais como colocá-lo abaixo

Reposicionaram-se os tijolos
Buracos foram tampados
E o reino encantado
Foi (novamente) de tudo isolado

Não haverá mais o toque
O aconchego
Nunca mais o beijo
A razão os fez reféns do tempo

Tiveram sua chance
Foi outro o momento
Agora só restarão lembranças
E nenhum ressentimento

2.7.13

Meus versos de amor



De nada me servem
Se em ti não mais couberem

Se não estás


Quem vestirá
Os poemas de amor
Que este artesão
Necessita cotidianamente fiar?

Como evitar


O amor versejar
Se o branco do papel
Como uma dívida
Insiste em me cobrar?

1.7.13

Tudo que a ti se refere



Como tatuagem
Marca minha pele
A carne absorve
Me altera a razão
Vira fantasia
E me lança
Num voo sem direção
A explorar o universo
De constelação em constelação