29.11.16

Por mais que desdigas


A nudez de tua boca
Não esconde
A realidade crua e nítida

Pois quando me aproximo
E me beijas
O gosto da tua saliva denuncia:

Que tuas palavras
Confusas e evasivas
Não passam de estúpidas mentiras!

Que teu hálito quente
É tua alma fluida
E aflita

Que me quer
Não me repudia
E sem mim não respira

28.11.16

O Amor


Brota da areia cinza, insuspeita
Insurgescência cristalina
Flui lenta e contínua
Fonte de especial pureza

Nasce com a certeza
Dos que marcam a existência
Toma fôlego, corpo
Cria um traçado, recebe apoios

Regalos, regatos, riachos
Junção de muitos braços
Bacia, rio caudaloso
Caminho longo e inexorável

Delta impositivo
Sutil e espraiado
Capaz de adoçar oceanos
Mesmo focado
Jamais equivocado

25.11.16

Afinal, o que significou esse amor?


Brutal e efêmero
Fogo-fátuo, hiato no tempo

Por que não restou nada de bom?
Argumentos, poesia

E as poucas lembranças
Que ainda nos atrevemos a evocar?

Parecem imagens desconexas
Ilustrações de uma ridícula ladainha

24.11.16

O poeta é um solitário


Segue em seu barco
Navegando sem considerar as correntes
Desenhando um caminho
Dispensando mapas, bússula
Farol, astrolábio
Cria seu próprio itinerário
Fazendo e desfazendo laços
Atirando ao mar o que julga dispensável
Rimas indignas
Construções medíocres
Versos sem sentido
Alega que é involuntário
É compelido a seguir
Até que seu interior convulsivo
Esteja saciado
Embora isto nunca tenha acontecido
Segue fazendo o que entende como honesto
E julga necessário

23.11.16

Perdoa


Por insistir tanto por tua boca
Sem nem querer saber
Por onde andava o teu olhar

Por insistir tanto por teu corpo
Sem nem querer saber
Por onde andava a tua alma

A paixão nos reduz a um primitivismo
Egoísta e cego
Que é só instinto

Que não pensa
Age sem medir consequências
Só enxerga o próprio umbigo

22.11.16

Na pressa insana da certeza


Antes que a morte nos surpreenda
Amemo-nos com desespero e urgência
Até que esgotemos as forças
E findemos nossa existência
Desfalecidos
Encharcados de dores e desfrutes
Gozos e transcendências
Mas sem culpas ou rancores
Para que nossas insignificantes vidas
Tenham valido a pena

21.11.16

A aliança que ostentavas


Inquebrável, luzidia
Fazia parte do teu corpo
Pois não a tiravas
Nem em nossos momentos
De maior fervor e alegria

Aliança
Que não me causava tanta tristeza
Como a indiferença vazia
Que resultou do fim desse amor
E com a qual me tratas hoje em dia

18.11.16

A Paixão


Embora seja uma fantasia
Faz com que a vítima
Se sinta viva
Alucinada
Destemida

Faz perder a autonomia
Dirige seu destino
E a faz adotar caminhos
Às vezes labirínticos
E de difícil saída

Ela gosta disso
Fica insensível à dor
Seu olhar permanece altivo
Um zumbido agudo no ouvido
E no peito uma contínua taquicardia

Mas um dia
Tudo termina
Isso já foi registrado
Ao longo dos séculos
Por incontáveis escribas

E só o tempo
Senhor dos destinos
É capaz de saber
Como há de terminar
Mais essa viagem entorpecida

17.11.16

Se não houve ilícito


Não pode haver culpa

E sem culpado
Não pode haver condenação

- Então, sumam já daqui
Com este cadáver alvejado no coração!

16.11.16

Quando ficares e eu me for


Sim, porque devo ir antes
Tudo me faz supor
Não vivas o que te resta
Só das lembranças de um ex-amor

Mantenha tuas vontades ativas
As do dia, as da noite
Sem te paralisares pelo vazio interior

E passado um tempo, já atenuada a dor
Se alguém que cruzar o teu caminho
Te despertar o íntimo
E te pedir que proves um novo sabor

Não te prives do que há de mais humano em ti
E mergulha no inusitado experimento
Mesmo sem saber se será de prazer ou de dor

11.11.16

Melhor morrer só


Do que ficar louco
Mantendo consigo
O segredo convulsivo
Que quer lhe arrebentar o peito
Apela para ser expelido
Destrói razão e sentidos
Como um ciclone descontrolado
Irascível e ensandecido
Que quando compartilhado
Com qualquer outro ser vivo
Corre o risco
De não ser compreendido
Ser rejeitado de pronto
Pelo desgosto gerado
E tachado
Levianamente
De monstro assassino

10.11.16

O Amor


Não existe
Para quem não o sente
E por não existir
Não é invocado
Nem mesmo eventualmente
Mas assim que é sentido
Passa a ser chamado
Pois uma vez nomeado
Já está incorporado
E isso é para sempre

9.11.16

Dois seres


Interpenetram-se
Cópula essencial
Em busca do mesmo eixo.
Céu e terra
Espremendo-se
Até que resulte
Um só elemento.
Um fluido denso
Perfumado
E sumarento
Que se difunde
Harmoniosamente
Num universo viscoso
Mas confortavelmente
Receptivo
E liquefeito.

8.11.16

No lago imenso


Limites fora do desenho
Eu diminuto
Ponto claro
No espelho
Flutuo
Sem saber
Se algum ser
Habita o fundo
E lá de baixo
No escuro
Me vê como pequeno traço
Acinzentado
Que no alto
Se movimenta livre
Ao acaso

7.11.16

O gelo


Aprisiona a água
Deixando livre o fogo
Que em sua redenção do efêmero
É cinza e não fumaça

4.11.16

Há algo em mim


Que não sossega
Enquanto não se encerra

Algo que entende
Que nada é para sempre

Que é preciso um fim
Para que o efêmero se torne perene

3.11.16

Palavra


Síntese frustrada.
Extrato ralo que não expressa
A complexidade do que nomeia
Mesmo quando é escrita ou falada.
Que não alcança o significado do Amor
Apenas com quatro letras desenhadas.
E que para se ter uma ideia aproximada
Da dimensão almejada
Precisa ser sentida, discutida, compartilhada
E demonstrada como um teorema da matemática.

1.11.16

Miserável é a criatura


Que irresponsável e tola
Desperdiça a chance de enriquecer
Ao desprezar o que a vida tem de mais valor
A amizade e o amor
Bastando para isso apenas cultivar e corresponder
E o que de mais importante alguém poderia ter?